segunda-feira, 23 de março de 2009

A minha ida ao médico

A convite da minha empresa, que resolveu oferecer um exame médico gratuito a todos os colaboradores, desloquei-me esta manhã a uma clínica médica para efectuar o dito checkup.
Apesar do pensamento ameaçador e sempre presente de ser espetado, como quem diz "eu até agradeço a preocupação da empresa, mas não estava numa de agulhas", fiz-me homem.
A forma que encontrei de afastar quaisquer preocupações, não só pelos exames em si, mas também pelos resultados dos mesmos, surgiu-me a meio do processo:
"Por favor, senhor José, entre na primeira sala". Na primeira sala? Mas afinal quantas salas são? Bem... mas afinal que vem a ser isto?
"José, vai fazer um teste de audição. Vai entrar neste compartimento, colocar os auscultadores e carregar neste botão sempre que ouvir um zumbido". Imaginando-me já a sangrar dos ouvidos por um som agudo e estridente, talvez por ter visto demasiados episódios de Dr. House, entrei no compartimento e esperei. Foi já depois de um quase imperceptível ruído estático ter aumentado duas vezes de volume que me apercebi que o tal ruído era de facto o que deveria estar a ouvir.
E eis que começa a competição! Tudo à minha volta desaparece, a luz é substituída por escuridão, e de repente sou simplesmente eu, os meus ouvidos e o botão. Zumbido, click. Zumbido, click, Zumbido, click, Zumbido, click. Tentado a bater o record Olímpico, talvez em aparecer no livro do Guiness, tudo passou para segundo plano. Nada mais importava a não ser carregar no botão tão rápido quanto fosse humanamente possível.
Saí do pequeno compartimento orgulhoso da minha prestação, olhei para o gráfico dos resultados e não fosse o tempo demorado na primeira ronda teria efectivamente desafiado o record mundial da modalidade. Ainda assim, sorridente, virei-me para a enfermeira jeitosa e disse: "ainda fazia melhor, não pensei que o zumbido fosse assim".
"Senhor José, agora vamos passar ao teste de visão, por favor coloque aqui a testa e diga-me o que vê". O que tu queres sei eu! Mas agora que já sei como isto funciona é que vais ficar impressionada! Três quadrados, cima, baixo, esquerda, direita... os meus neurónios fervilhavam à medida que as imagens me eram apresentadas. Com uma jogada de mestre escapo-me ainda de uma rasteira manhosa. O teste à visão tinha-se transformado num teste mental, em que a rapidez da resposta já não dependia do tempo que eu demorava a analisar as imagens mas sim do tempo que a minha boca demorava a responder esquerda, direita, cima, baixo.
Com um sorriso contagiante, a enfermeira jeitosa diz-me: "Muito bem senhor José, pode passar à próxima sala". E assim fiz, contente por ter completado o primeiro nível com uma excelente pontuação, e quase ter salvo a princesa. Mas todos sabemos que nunca se salva a princesa no primeiro nível, e que provas mais duras ainda estavam para vir.
"Senhor José, faça favor de entrar"! Bem... Máquinas, frigoríficos, agulhas, marquesas, pensos... Estou feito! Imagens da guilhotina incessante do velhinho Prince of Persia vinham-me à cabeça, juntamente com o som da morte que produzia ao dar um passo em falso. Agoniado, respirei fundo. Zé, sabes que não podes vacilar, ou então Game Over!
"Vamos fazer um electrocardiograma". Muito bem, o pior que pode acontecer é chegarem à conclusão que vou precisar de um transplante, mas quem é que se vai por agora a pensar nestas coisas?! Eu...
Já deitado na marquesa, com os electrodos espalhados pelo peito, pulsos e tornozelos, começava efectivamente o nível dois. Mas como é que se pode ter boa pontuação num electrocardiograma? É por isso que eu gosto deste jogos, desafiam-nos! Olhei à volta, como quem tenta encontrar algo a que se agarrar, e para piorar a situação torno a por os olhos nas agulhas. Isto assim vai ser complicado, estou a ficar nervoso e tenso, vou perder pontos! Fecho os olhos e encontro a solução. Lembro-me dos velhos sábios mestres Chineses e uma calma apodera-se de mim. Começo a modelar mentalmente cada uma das linhas do gráfico, e pouco tempo depois sabia que tinha superado com sucesso mais uma prova complicada.
Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii. Agora é que vão ser elas!
"Senhor José, agora vamos fazer um teste de respiração. Inspire, e expire com toda a força". Bem, afinal também há provas fáceis! Sinto-me em forma, tenho um peitaço invejável, agora é que vai ser!
(Inspiro), (Expiro com toda a força). "Outra vez, por favor". (Inspiro), (Expiro com toda a força). "Outra vez, por favor". (Inspiro), (Expiro com toda a força). "Outra vez, por favor".
Bem!!! Então colega? Como é que é? Os atletas Olímpicos não têm 3 finais! Como é que eu vou tentar bater um record com 3 falsas partidas? "A máquina está a funcionar mal..." diz-me...
Enfim, já a ver estrelinhas brancas e a esforçar-me para não meter a cabeça entre as pernas, tinha a consciência que não tinha sido a melhor das prestações, mas pelo menos tinha sobrevivido a mais um teste.
Pronto... vai ser agora... Não entres em pânico! Respira fundo e controla-te, estás quase a passar para o terceiro e último nível não vais desistir agora. É só uma agulha inofensiva...
"Senhor José, muito obrigado, pode ir para o terceiro nível", ou melhor "terceira sala".
Então? Não me vão tirar sangue? Agora que eu me tinha mentalizado! Eu sou forte e corajoso! Mas não, não me iam mesmo tirar sangue. Teria sido mais um teste mental? Imaginei que sim, que seria algo como "a leap of faith", como também o Indiana Jones teve quando andou sobre o vazio para poder levar ao seu pai o Cálice de Cristo e salvar-lhe a vida.
"Bom dia senhor José, sente-se por favor". A terceira sala era mais confortável, não tinha qualquer objecto de teste. A enfermeira jeitosa tinha sido substituída por uma médica... mais intelectual, e a roçar o erótico.
Com que então acabaram-se os exames... isto não pode ser assim tão fácil... E de facto não poderia ser. Imaginei que me tivesse sentado perante o Diabo, com ar sensual e tentador, que me iria ser feita uma proposta aliciante que eu teria que rejeitar com todas as forças que me restavam.
A conversa demorou alguns minutos, trocaram-se palavras, olhares, uma guerra mental, acenar de cabeças... para piorar, com a desculpa de me medir a tensão arterial ligou-me ao polígrafo, e eu sabia que a partir deste momento a verdade, a minha verdade, estava a ser posta à prova!
A cada segundo que passava, a cada resposta que dava eu sentia-me mais perto de salvar a princesa. Tinha passado as portas do palácio, duelei o primeiro grupo de guardas, o segundo, o terceiro... perdi-me por labirintos, entrei em alçapões, subi até às masmorras e desci até às catacumbas. Finalmente, consumido pelo cansaço...
"O senhor está Apto!"
Consegui! Salvei e beijei a princesa!
Despedi-me, e mal coloquei um pé na rua, respirei fundo, olhei para o céu, sabia que era o homem mais feliz à face da Terra!

José Domingues

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